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Importantes mentes como Émile Durkheim e Jean-Jacques Rousseau dedicaram anos de estudo para chegar a conclusão de que, mesmo que o livre-arbítrio possa ser um fato, a humanidade demonstra uma forte inclinação social para viver sob propósitos e regras de convivência autoimpostas, seja através da religião, classes ou outras estruturas. Entre estas, a masculinidade, cujo peculiar universo é o tema do excelente Oeste Outra Vez (2025).
Como dito por Plauto e popularizado por Thomas Hobbes: "o homem é o lobo do homem". Em Hollywood, poucos desenvolveram histórias baseadas nessa frase com a mesma eficiência que Michael Mann, de Fogo contra Fogo (1995) e Ferrari (2023). A grande notícia para o cinema nacional é que, através de Oeste Outra Vez (2025), o diretor Erico Rassi entra para a lista desses poucos.

No novo filme do diretor goiano, amor e violência dançam em um abraço sombrio, e o orgulho ergue muralhas para esconder as almas famintas por afeto. A masculinidade, jaula invisível, aprisiona homens em um silêncio de pedra, que se rompe em lágrimas tímidas diante da vulnerabilidade emocional.
Em um mundo onde as mulheres são impenetráveis, embora almejadas, a vida é arcaica e coberta de poeira. Não há necessariamente um vazio, mas algo está faltando. Aqui, o mérito do diretor de fotografia, André Carvalheira, é conseguir transmitir, com muito afinco, essa sensação de algo que se vai aos poucos, até que, quando menos se percebe, já não existe mais. Perceba essa complexidade: Oeste Outra Vez (2025) não é desértico. Ainda há alguma fertilidade nesse universo, como no clima semiúmido de Goiás.
Não é como se os personagens não soubessem que estão diante de uma jaula invisível. Eles sabem, mas, de certo modo, são cínicos, e o cinismo é o que abrilhanta os trabalhos de Daniel Porpino, Adanilo, Rodger Rogério e Antonio Pitanga. Se a ótima dupla principal, Ângelo Antônio e Babu Santana, necessita da progressão narrativa para abrir suas nuances, os coadjuvantes têm menos tempo e mais eficiência para se encaixar na lógica do filme.

O cinismo é o principal combustível de humor do longa. Comparar os momentos de riso de Oeste Outra Vez (2025) com a comédia sombria dos Irmãos Coen é justo. Também é justo dizer que, no filme de Rassi, a atmosfera é mais importante que a violência. O aspecto gráfico da violência, portanto, é pouco relevante, pois não se trata do que se vê, mas do que se sente.
É curioso que, como um autor tão acurado no estudo do comportamento da masculinidade, o mais próximo que Michael Mann chegou de um faroeste tenha sido O Último dos Moicanos (1992). Oeste Outra Vez (2025) não me deixa dúvida de que, se, nos últimos anos, o diretor tivesse trabalhado nesse gênero norte-americano, tão atrelado ao assunto que ele mais gosta de abordar, teria feito um dos maiores filmes do século.

Dessa forma, ao retratar o âmago semiúmido da masculinidade, Oeste Outra Vez (2025) se estabelece não apenas como o grande filme nacional do ano — até agora —, mas também como um dos grandes faroestes deste século. Uma obra cujo o diálogo pode ir muito além do interior do Brasil, embora esteja profundamente enraizado nele. O grande faroeste que Michael Mann nunca fez.
Não me entenda mal, não estou dizendo que Erico Rassi faz filmes como Michael Mann. Erico Rassi faz filmes como Erico Rassi, e se você assistir Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta (2016) não vai ter dúvidas disso. O que estou tentando especular com todos esses caracteres que você leu acima é que, se tivesse nascido no interior do Goiás, Michael Mann seria o Erico Rassi.
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